*A segunda parte deste texto será divulgada em breve
Havana –
As novas tecnologias, a internet e as redes sociais têm chegado à
sociedade com uma auréola de democratização, participação e igualdade
que levou concomitantemente uma fascinação progressista unida ao caráter
inovador inerente da tecnologia. Não se trata somente de aparatos,
suportes e formatos fascinantes tecnologicamente – como toda tecnologia
inovadora –, mas que também adiante resultavam, quando igualitárias e
baratas, libertadoras na medida em que pareciam romper o monopólio da
difusão dos grandes grupos de comunicação e grandes empresas. Não se
podia querer outra coisa. E não negaremos que parte de tudo isso é
verdade. Mas a questão é que existem muito mais elementos ao redor das
novas tecnologias para o que devemos estar preparados; e é necessário
discutir criticamente esse mito progressista que envolve esse novo
fenômeno comunicativo.
Devemos
nos perguntar se as redes sociais são um instrumento de socialização
ou, pelo contrário, de isolamento. Já sabemos que 39% dos usuários
dessas redes passam mais tempo socializado por meio desses canais do que
com outras pessoas, cara a cara. As motivações que levam ao uso da rede
e seus conteúdos, o exibicionismo da intimidade, a vaidade e o
egocentrismo são prioritários em redes como Facebook em detrimento do
interesse de formar-se cultural ou intelectualmente. Pensa-se que os
formatos dessas redes são um fenômeno de revolução popular com signo
progressista, mas, como na maioria dos produtos culturais promovidos
pelo mercado moderno, o domínio segue sendo o da frivolidade. Um estudo
do Twitter mostrou, em 2012, que o os picos de atividade coincidiram com
os gols da Eurocopa, quando os usuários o usaram para comemorá-los
(veja nota 1 abaixo). O jogador Fernando Torres tinha 318.714 seguidores
no Twitter, e o único tweet que tinha escrito na rede era um em inglês,
meio ano antes, dizendo algo como “ainda não comecei no Twitter, mas
esta é a minha página oficial e já está pronta para quando chegar o
momento oportuno”. De modo que centenas de milhares de pessoas estavam
seguindo alguém que nada dizia.
A
importância que se dá às redes sociais é tal que dizem que alguns meios
selecionam seus colaboradores e colunistas segundo o número de
seguidores que têm nas redes sociais. O professor francês Salim Lamrani
demonstrou que a blogueira anticastrista de fama mundial, Yoani Sánchez,
colaboradora em muitos jornais europeus, tinha engordado seu Twitter
com seguidores falsos.
O
suposto igualitarismo democratizador das redes sociais tem tido, não se
pode negar, elementos positivos, como o fim do oligopólio da agenda e
seleção das informações dos grandes meios, mas também tem sua face
negativa. Trata-se da ausência de bula que nos oriente para distinguir o
valioso do irrelevante, o rigoroso do rumor, o verdadeiro do falso, o
especialista do amador, a análise genial do comentário de bar. Que eu
possa palpitar sobre política com a mesma autoridade que Kissinger ou de
economia com a mesma contundência que Friedman pode nos deixar
orgulhosos, os críticos do controle da informação por parte dos poderes,
mas não supõe necessariamente substituir o pensamento dominante do
establishment pelo pensamento alternativo crítico. A torrente da
internet nos oferece sem distinção o estudo rigoroso, o dado valioso, o
argumento elaborado, a tese paranoica sem fundamento, a descoberta
falsa, a invenção de um testemunho, o megalomaníaco mentiroso, o
presunçoso vão, a trivialidade. Não quero que me confundam e, assim, se
pense que estou defendendo o elitismo. A história está repleta de
supostos especialistas e doutos que eram na verdade medíocres, mas, para
mudar e melhorar o mundo, é necessário se orientar em meio à névoa, e a
balburdia pode ser tão estéril que também pode colaborar com a reação e
impedir a mudança. Minha proposta não é renunciar às redes sociais e
nem a outras muitas opções que nos abre a internet, mas sim ter suas
limitações às claras e tentar corrigir a inconsistência de seus
conteúdos, além do uso perverso majoritário que a sociedade está dando
da elas.
Um objetivo ideológico
Temos
que considerar que se é fato que a aparição da internet supõe uma
liberdade de informação – e desinformação – sem precedentes e também
supõe o fim do oligopólio da distribuição desta mesma informação, as
grandes empresas de mídia seguem sendo desproporcionadamente poderosas
na internet. As grandes empresas desenvolvem métodos de presença e
influência esmagadora sobre o conteúdo: através de colaboradores pagos
em fóruns e webs, mediante influência em sites de busca, mudanças em
planos e tecnologias que desenvolvem seus projetos na internet. Tampouco
esqueçamos que o mais lido na rede, quando falamos de informações,
continuam sendo os grandes meios tradicionais, inclusive são os mais
citados nas redes sociais. Segundo dados do Instituto Nielsen NetRatings
publicados pelo ‘Le Monde’ e citados por Ignacio Romanet, "entre os
duzentos sites de informação online mais visitados dos Estados Unidos,
os meios tradicionais representam 67% do tráfego" e "80% dos links que
encontramos em sites de informação, blogues ou redes sociais
norte-americanos remetem a meios de comunicação tradicionais". Conclui
Romanet que "na internet, o fenômeno da concentração de informação e da
escassez do pluralismo, ainda que de natureza diferente, não é menos
importante que a imprensa tradicional" (nota 2).
Por
outro lado, e recordando a Guy Debord, o formato espetacular da imagem,
cor, movimento, interação e superficialidade da informação atual já é,
em si mesmo, ideologia: "O espetáculo é a ideologia por excelência,
porque expõe e manifesta plenamente a essência de todo o sistema
ideológico: empobrecimento, servidão e negação da vida real" (nota 3).
São
numerosos os elementos de ideologização que encontramos nos novos
formatos e o novo padrão informativo que se está impondo. Para começar,
os métodos de busca já incorporam uma inclinação reacionária e
conservadora. Seus critérios prezam o majoritário, o popular, o consenso
dominante, náo só na hora de priorizar as temáticas, mas também as
teses sobre os temas, os autores, os portais informativos. Numa
biblioteca, encontra-se o livro do pensador reacionário ao lado de um
pensador crítico, entretanto agora o Google nos oferece os primeiros dez
links do autor e o meio dominante, já o alternativo ou contra-corrente
aparece muito depois. Os grandes veículos podem dispor de técnicos e
estratégias informáticas complexas para alcançar um bom posicionamento
nos resultados de busca, em alguns casos incluem em seus conteúdos
determinadas palavras que sabem que são as mais usadas pelos
internautas. Temos assim, uma outra - e nova - forma de adulteração da
informação que é utilizada para triunfar no Google.
Proprietários
Para
nos inteirarmos do ideário dos principais interessados no novo modelo
informativo tecnológico, podemos fazer uma revisão rápida dos acionistas
das principais empresas, ou seja, quem financia e recebe benefícios
desse mesmo modelo.
Em
primeiro lugar temos a gigante Google, que é listada na Nasdaq e é
proprietária, entre outras empresas e serviços, do Youtube e da Motorola
Mobility. Entre seus acionistas, junto aos fundadores Sergey Brin y
Larry Page, encontra-se Eric Schmidt, membro do Clube Bilderberg, que
foi presidente e diretor geral da Google até abril de 2011. Também Ram
Shriram, antes administrador da Netscape e da Amazon. Entre os
investidores internacionais, basicamente se encontram grandes fundos de
investimentos de capital de risco como FMR LLC, The Vanguard Group,
Inc., State Street Corporation e outros mais.
Quanto
ao Facebook, sabemos que colheu cerca de 18 bilhões de dólares com a
abertura de seu capital na bolsa, operação esta gerida pelo banco Morgan
Stanley, ao lado de Goldman Sachs e JP Morgan. Seu fundador, Mark
Zuckerberg, possui 18,4% da companhia. Entre os principais acionistas e
dirigentes, se encontra Goldman Sachs, um banco que, como recordamos
bem, esteve envolvido na crise financeira dos EUA em 2008. Também esteve
na origem da crise financeira da Grécia de 2010-2011, visto que ajudou a
esconder o déficit das contas gregas do governo conservador. Outro
acionista do Facebook é Erskine Bowles (também membro do grupo diretor),
que ocupava alto cargo na administração Clinton e agora, na gestão
Obama, é como presidente da Comissão Nacional de Responsabilidade Fiscal
e Reforma. Além disso, é membro do grupo que administra a General
Motors, Morgan Stanley e Norfolk Southern Corporation. Também temos a
Sheryl Sandberg, que trabalhou para Google e para o Banco Mundial. Foi
chefe de gabinete no Departamento do Tesouro na gestão Clinton. Pertence
ao corpo da direção de empresas como Walt Disney e Starbucks. Além
desses, Reed Hastings, diretor executivo da NetFlix (um provedor de
internet estadunidense), e membro do conselho administrativo da
Microsoft, sem contar do Facebook.
A
maioria dos acionistas do Twitter vem de agências de capital de risco
como Spark Capital, Union Square Ventures, Kleiner Perkinsm Benchmark
Capital, Institutional Venture Partners, T. Rowe Price e DST Group. A
empresa está obcecada para que não sejam mais de 500 acionistas para,
assim, não ter que citá-los na bolsa e não trazê-los a público. Sabe-se
que entre os acionistas do Twitter está o príncipe saudita Alwaleed bin
Talal, que anunciou em dezembro de 2011 que tinha comprado uma
participação de 300 milhões de dólares. O Skype foi comprado
recentemente pela Microsoft e o Tuenti é propriedade, em sua maior
parte, da Telefónica.
A
tudo que listamos podemos adicionar os interesses empresariais dos
consórcios de fabricação de celulares, a indústria da informática e as
operadoras de telefonia e internet. Por trás das empresas dos novos
formatos de comunicação, enfim, estão os grandes grupos de investimento
mundiais junto com alguns multimilionários da nova economia, então é
fácil deduzir a ideologia que vão promover.
Censura
A
propriedade privada das empresas tecnológicas e seus suportes
tecnológicos modernos permitem todo tipo de censura, que,
assombrosamente, é aceito pela sociedade e poderes públicos.
Consideram-se redes sociais como Facebook e suportes como Youtube
exemplos do grande alcance na democratização da informação, sem perceber
que se tratam de empresas privadas que, por meio de uma tecla lá de
seus centros de controle, podem eliminar um conteúdo subversivo e fazer
desaparecer um usuário, com a complacência de uma sociedade que nunca
percebe que estamos ante um ataque à liberdade de expressão. O Facebook
veta imagens que não o agrada e expulsa de suas páginas coletivos que
lhe parece indesejáveis. Em junho de 2012, o Facebook censurou uma
imagem de capa de perfil da revista de humor ‘El Jueves’, que fazia
alusão a Merkel e Rajoy, e comunicou ao administrador que lhe tiraria o
direito, por 30 dias, de poder subir qualquer conteúdo na rede social
(nota 4). Se a revista continuava sendo distribuída com normalidade nas
bancas e, em outro lado, na rede social Facebook não se permitia e se
impedia o usuário de vê-la, estávamos sofrendo, a partir das mãos das
redes sociais, um retrocesso da liberdade de expressão.
As
notícias de grupos sociais que tem suas páginas eliminadas no Facebook
são constantes. Em abril de 2011 vários coletivos que protestavam no
Reino Unido contra os cortes do governo denunciaram o fechamento de suas
páginas (nota 5). Neste mesmo mês, alguns ativistas espanhóis do 15M
denunciaram que o anúncio de sua manifestação, com mais de 23 mil
participantes confirmados, fora apagado de várias de suas páginas (nota
6). Youtube elimina vídeos baseado em qualquer argumento insustentável,
como aconteceu com a conta do portal Cubadebate por um vídeo que
denunciava o apoio financeiro que recebia o terrorista Luis Posada
Carriles (nota 7), autor intelectual da explosão de um avião civil
cubano que causou a morte de 73 pessoas. Outros usuários também
denunciaram a desativação de vídeos do Youtube, bem como suas contas de
usuário, argumentando que violavam direitos autorais, quando na verdade
se tratavam de imagens de televisões públicas que as cedem para uso
livre (nota 8).
As
denúncias dos afetados nunca têm grande espectro nem qualquer
viabilidade legal, posto que são empresas privadas que, com seu quase
monopólio do serviço e com sua imagem internacional de comunicação
gratuita e livre, aplicam a censura corriqueiramente. Por sua vez, os
internautas cubanos denunciaram que o Google vetou aos habitantes deste
país o uso do serviço Google Analytics, meio pelo qual os
administradores de páginas na web têm acesso às estatísticas de
visitação. No entanto, a empresa pode usar estes dados para seus
cálculos e negócios (nota 9). É ingenuidade pensar que vão nos ceder
suas logísticas, é como se um grupo de Panteras Negras quisesse se
reunir num McDonalds. O modelo de funcionamento das redes pode ser
evidentemente reacionário e conservador. Observemos, por exemplo, que no
Facebook aparece sempre a opção "Curtir", mas não existe a
correspondente "Não curtir". "Se trata de impedir, obviamente, a crítica
a marcas e produtos que podem se tornar futuros anunciantes ou
investidores. Mas também se inscreve completamente nesse ciberotimismo,
por se incitar a produção constante (inteligência coletiva) e depreciar a
crítica, e, sobretudo, a inação, a greve, a renúncia" (nota 10).
Ciberativismo
"O
risco da internet é pensar que se vive a democracia de maneira direta,
quando só é se trata de uma democracia virtual. Internet não é mais que a
continuação da utopia de querer falar diretamente com o mundo todo; o
problema é pensar que isso vai resolver nossos problemas reais" (nota
11).
Nosso
ativismo político despenca por um declive para a virtualidade dos
manifestos e empresas na rede, o sexo alcançou a higiene absoluta e a
desinibição total graças ao mundo virtual, os amigos não mais estão no
bar, mas no Facebook, e continuarão na rede ainda que morram amanhã. As
vias são virtuais porque são as "vias da informação". Mas enquanto tudo
isto acontece, as guerras e a fome nada virtuais, com seus mortos nada
virtuais, armamentos e criminosos que as provoca, menos virtuais ainda,
seguem existindo. Do mesmo modo, nosso salário e nossos serviços sociais
estão sendo reduzidos, enquanto seguimos conectados ao mundo virtual.
A
ofensiva tecnológica-virtual parece projetada para fugirmos da
realidade autêntica e nos metermos numa realidade virtual para assim nos
neutralizar. Existem jogos na internet para crianças – e adultos – que o
sistema lhe premia com "créditos" para comprar objetos virtuais, depois
de enviar uma mensagem de texto do celular com custo real. Isto é,
troca-se com toda a inconsequência dinheiro real por virtual. Do mesmo
modo atua grande parte da revolução tecnológica: rouba-nos a vida real,
sobretudo se uma vida potencialmente crítica e subversiva, e nos dá em
troca a vida virtual. Esse é um dos objetivos da assim chamada "brecha
digital", enquanto pobres do mundo morrem de fome, os que têm de comer
são detidos e levados ao mundo virtual, o mundo feliz de Aldous Huxley
onde não terão de se preocupar com os pobres. Toda esta enxurrada
tecnológica tem como resultado principal o isolamento do indivíduo.
Expor
esta tese em Cuba, onde seus cidadãos sofrem grandes dificuldades para
usar a internet, um resultado do bloqueio dos EUA que impede que a Ilha
tenha acesso normal ao ciberespaço, pode parecer inoportuno, mas eu
venho de uma Europa abduzida pelas redes sociais e acredito ser
necessário alertar os cubanos sobre esta possibilidade.
Notas
[1]
“Eurocopa 2012: Twitter celebra los goles de la televisión”.
Periodistas 21, 2-7-2012
http://periodistas21.blogspot.com.es/2012/07/eurocopa-twitter-celebra-los-goles-de.html
[2] Ramonet, Ignacio. La explosión del periodismo. Clave Intelectual, Madrid, 2011.
[3] Debord, Guy. La sociedad del espectáculo. Pre-Textos, Valencia, 2010
[4] El Jueves, 14-6-2012 http://www.eljueves.es/2012/06/14/facebook_veta_nuestra_portada_merkel_rajoy_plan_sadomaso.html#
[5] The Guardian, 24-4-2012 http://www.guardian.co.uk/technology/2011/apr/29/facebook-accused-removing-activists-pages
[6] Barrapunto.com, 12-4-2011 http://barrapunto.com/~manje/journal/35852
[7]
Cubadebate.cu, 13-1-2011
http://www.cubadebate.cu/noticias/2011/01/13/censura-de-youtube-a-cubadebate-desato-movimiento-solidario/
[8] lubrio.blogspot.com.es , 13-6-2012 http://lubrio.blogspot.com.es/2012/06/rcn-y-venevision-usan-youtube-para.html
[9] La pupila insomne. 19-6-2012 http://lapupilainsomne.wordpress.com/2012/06/19/google-roba-datos-de-sitios-cubanos/
[10] Baños Boncompain, Antonio, Posteconomía. Hacia un capitalismo feudal, Barcelona, Los libros del lince, 2012
[11] Citado por Rivière, Margarita. La fama. Iconos de la religión mediática. Crítica, Barcelona, 2009.
*A segunda parte deste texto será divulgada em breve
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